Se não somos verdadeiramente convertidos, com toda a certeza odiamos a Deus. A Bíblia não deixa margem para dúvidas nesse ponto. Somos inimigos de Deus. Juramos em nosso interior destruí-lo completamente. É natural que odiemos a Deus, assim como é natural que a chuva molhe a terra ao cair. Aqui nossa irritação pode transformar-se em raiva.

Todos nós negaríamos veementemente o que acabei de escrever. Não encontramos dificuldade em reconhecer que somos pecadores e que não amamos a Deus como deveríamos. No entanto quem dentre nós admitiria que odeia a Deus?

Na carta de Paulo aos Romanos, lemos: "se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho..." (Rm 5.10) O tema central do Novo Testamento é a reconciliação. Não há necessidade de reconciliação entre indivíduos que se amam. O amor de Deus por nós é inquestionável. A sombra da dúvida paira sobre nós. É o nosso amor por ele que está em questão. A mente natural do homem, o que a Bíblia chama de "mente carnal", é inimiga de Deus.

A hostilidade natural que temos contra Deus se revela no pouco valor que conferimos a ele. Não o consideramos digno de nossa devoção total. Não temos prazer em contemplá-lo. Mesmo os cristãos muitas vezes encontram dificuldade em adorá-lo e encaram a oração como uma tarefa penosa. Nossa tendência natural é fugir da sua presença para o mais longe possível. Sua Palavra ricocheteia na nossa mente como uma bola de basquete ricocheteia na tabela.

Por natureza, nossa atitude para com Deus não é simples-mente de indiferença. É uma postura de malícia. Fazemos oposição ao seu governo e recusamos seu domínio sobre nós. Nosso coração natural é desprovido de afeição por ele; é frio, congelado para com sua santidade. Por natureza, o amor de Deus não está em nós.

Como Edwards escreveu, não é suficiente dizer que o homem natural encara Deus como um inimigo. Precisamos ser mais específicos. Nós o consideramos nosso inimigo mortal. Ele representa a mais alta ameaça possível aos nossos desejos pecaminosos. A repugnância que sentimos por ele é absoluta, não podendo ser maior. Nenhum argumento de filósofos ou teólogos poderia induzir-nos a amar a Deus. Detestamos até mesmo a idéia de sua existência e faríamos tudo que estivesse ao nosso alcance para livrar o universo de sua presença santa.

Se Deus colocasse sua vida em nossas mãos, não estaria seguro nem por um minuto. Não iríamos ignorá-lo; iríamos destruí-lo. Essa acusação pode parecer-nos exagerada. Contudo, examinemos mais uma vez o registro do que aconteceu quando Deus veio ao mundo na pessoa de Cristo. Ele não foi simplesmente morto. Foi assassinado por homens malignos. As multidões queriam seu sangue. Não lhes bastava apenas desfazer-se dele; queriam humilhá-lo e zombar dele. Sabemos que foi sua natureza humana que pereceu na cruz; não a divina. Se Deus houvesse exposto a natureza divina à execução, deixando-a vulnerável aos cravos dos executores, Cristo estaria morto, e Deus, ausente do céu. Se a espada houvesse atravessado a alma de Deus, a revolução final teria tido êxito, e o homem agora seria rei.

No entanto protestamos, afirmando que somos cristãos. Amamos a Deus. Experimentamos a reconciliação. Fomos nascidos do Espírito, e o amor de Deus foi derramado em nosso coração. Não somos mais inimigos, porém amigos. Tudo isso é verdade para o cristão. Contudo, precisamos ter cuidado e lembrar-nos de que nossas inclinações humanas naturais não foram aniquiladas com a conversão. Ainda permanece um vestígio da natureza caída, contra o qual precisamos lutar todos os dias. Ainda existe um cantinho da alma que não se deleita em Deus. Podemos constatar isso em nosso pecado contínuo e em nossa adoração letárgica. Essa verdade se manifesta até mesmo em nossa teologia.

Historicamente, só existem três tipos genéricos de teologia, competindo pela aceitação dentro da igreja. São eles: Pelagianismo, Semi-pelagianismo e Augustianismo.

Apenas o Agostianismo tem a graça como centro de sua teologia. Quando entendemos o caráter de Deus, quando compreendemos algo de sua santidade, então começamos a perceber a gravidade do nosso pecado e a nossa impotência. Pecadores impotentes só sobrevivem pela graça. Nossa força é inútil em si mesma; somos espiritualmente incapazes sem a assistência de um Deus misericordioso. Talvez não apreciemos falar sobre a ira e a justiça de Deus. Entretanto, só valorizaremos de fato o que ele fez por nós mediante a graça se compreendermos esses aspectos da sua natureza. O sermão de Edwards sobre os pecadores nas mãos de Deus não tinha por objetivo enfatizar as chamas do inferno, mas o Deus que nos segura e nos resgata do abismo. Somente suas mãos graciosas têm o poder de salvar-nos da destruição certeira.

Como podemos amar um Deus santo? A resposta mais simples que posso dar a essa questão vital é que não podemos. Isso está além de nossa capacidade moral. Por causa de nossa natureza pecaminosa, só conseguimos amar um Deus não-santo, um ídolo que nós mesmos fabricamos. A menos que sejamos nascidos do Espírito, a menos que Deus derrame seu amor santo em nosso coração, a menos que ele desça em sua graça para mudar-nos, não o amaremos. Ele é quem toma a iniciativa de restaurar nossa alma. Sem ele, não somos capazes de fazer nenhuma justiça. Sem o auxílio dele, estaríamos condenados à alienação eterna da sua santidade. Só podemos amá-lo porque ele nos amou primeiro. Amar a um Deus santo requer graça. Uma graça tão forte que penetre nosso coração endurecido e desperte nossa alma moribunda.

Se estamos em Cristo, já fomos despertados. Fomos ressuscitados da morte para a vida espiritual. No entanto, ainda estamos meio sonolentos e, às vezes, andamos como sonâmbulos. Conservamos um certo temor de nos aproximar de Deus. Ainda trememos aos pés da montanha santa.

Contudo, à medida que aprofundamos nosso conhecimento dele, passamos a apreciar mais sua pureza e a sentir uma dependência mais profunda da sua graça. Aprendemos que ele é totalmente digno da nossa adoração. O fruto do amor crescente por ele é o aumento da reverência pelo seu nome. Nós o amamos agora porque reconhecemos seu amor. E porque vemos sua majestade que o adoramos. E só o obedecemos agora porque seu Santo Espírito habita em nós.