Versão em áudio:   

(Domingo de manhã, 2 de outubro de 1859).


"O sangue do concerto eterno" - Hebreus 13:20


Todas as relações que Deus tem mantido com o homem têm o caráter de concerto. Agradou-Lhe dispor as coisas de tal maneira, que todas as Suas relações com Suas criaturas deviam verificar-se através de um pacto; e não sendo desse modo tampouco podemos relacionar-nos com Ele.

No Éden, Adão estava sob um pacto com Deus, e Deus em aliança com ele. Mas Adão logo rompeu aquele pacto. Todavia existe um concerto com todo o seu terrível poder, e digo terrível porque tem sido desrespeitado por parte do homem, e portanto Deus cumprirá as solenes ameaças e sanções contidas nele. E o pacto das obras. Por meio dele, Deus Se relacionou com Moisés, e através dele Deus Se relaciona com toda a raça humana tal como estava representada no primeiro Adão. Depois, nos tratos que Deus teve com Noé, também foram em forma de aliança. Mais tarde com Abraão, Lhe aprouve relacionar-Se mediante um pacto. Abraão o manteve e o guardou, sendo o pacto renovado a muitos da sua descendência depois dele. Inclusive com Davi, homem segundo o Seu coração, Deus Se relacionou através de um pacto.


Mesmo nesta época Se relaciona conosco mediante um concerto. Quando em Seu furor vier a condenar, ferirá com um pacto, isto é, com a espada do pacto do Sinai; quando, entretanto, vem no esplendor da Sua graça para salvar, Ele o faz mediante um pacto, isto é, o pacto de Sião, que é o que foi feito com o Senhor Jesus Cristo, representante e cabeça do Seu povo. E notem bem, que sempre que desejemos estabelecer estreitas e íntimas relações com Deus, elas devem verificar-se, mesmo de nossa parte, na forma de um concerto. Após a conversão, fazemos com Deus uma aliança de gratidão; movidos pelo que Ele realizou por nós, nos aproximamos e nos entregamos completamente a Ele. Pomos nosso selo a este pacto quando através do batismo nos unimos à Sua Igreja, e todas as vezes que participamos da Ceia do Senhor renovamos o voto do nosso concerto e temos comunhão pessoal com Deus. Não posso orar a Deus a não ser através do pacto da graça; e não me torno Seu filho a menos que não tenha sido comprado mediante o pacto de Cristo - através do qual tenho-me entregue a Ele, e dedicado tudo que sou e possuo. Posto que o pacto é a única escada que se estende da terra ao céu, e o único caminho pelo qual Deus mantém comu¬nhão conosco, e mediante o qual podemos relacionar-nos com Ele, é extremamente importante que saibamos distinguir entre aliança e aliança. Seria lamentável manter algum erro ou dúvida referente ao que significa e não significa o pacto da graça. Portanto, nesta ocasião desejo falar-lhes, da maneira mais simples possível, do valor e do significado do concerto mencionado em nosso texto bíblico. Tratarei de fazê-lo com franqueza e clareza. Inicialmente lhes falarei do concerto da graça; a seguir, do seu caráter eterno; por último, da relação que o sangue tem com respeito ao mesmo - "O sangue do concerto eterno".


I. Considerando, primeiramente, O CONCERTO mencionado em nosso texto, destacaremos o seu caráter específico, o que não será coisa fácil. Aqui não se fala do pacto das obras, pois se o fosse, não seria chamado eterno. O pacto das obras de modo algum possuiu um caráter eterno. Não era eterno, uma vez que foi feito no jardim do Éden. Teve princípio; não foi observado e constantemente foi violado. Aquele pacto logo terminou e deixou de ser; portanto, não foi eterno em nenhum sentido. O pacto das obras não pode levar um título eterno; mas o concerto do nosso texto, por tratar-se de uma aliança eterna, não pode de modo algum identificar-se com o pacto das obras. O pacto que Deus fez primeiramente com a raça humana incluía as seguintes promessas e condições: se o homem fosse obediente, viveria e seria feliz; porém se desobedecesse, pereceria. "No dia em que deixar de obedecer--me, certamente morrerá". Esse pacto foi feito com todos nós na pessoa do nosso representante, o primeiro Adão. Se Adão houvesse observado o pacto, nós agora estaríamos isentos do pecado. Mas Adão não o guardou, e com sua queda todos nós também caímos. Como conseqüência de haver caído em Adão, cada um dos seus descendentes se tornou filho da ira, herdeiro do pecado e está inclinado a toda maldade e sujeito a toda miséria. Esse pacto foi abolido com respeito aos filhos de Deus; a vinda de uma nova e melhor aliança o eclipsou e o aboliu com sua glória resplandecente.


Devo acrescentar que o concerto mencionado em nosso texto não é o pacto de gratidão que se faz entre um filho de Deus e o seu Salvador. Tal pacto existe e deve ocupar um lugar próprio na vida de cada cristão. Espero que todos nós que conhecemos o Salvador tenhamos exclamado em nossos corações:


"Está feita! A grande transação está feita;
Pertenço ao meu Senhor e Ele me pertence a mim"


Já entregamos tudo a Ele. Não há que confundir este pacto com o concerto que encontramos em nosso texto, pois o do nosso versículo é eterno, enquanto que o nosso pacto pessoal foi escrito há poucos anos. E mesmo esse teria sido depreciado por nós nos primeiros anos da nossa vida, devido a nossa incredulidade.


Tendo assim demonstrado negativamente o que este conceito não é, estudemo-lo agora positivamente e vejamos em que consiste. E aqui me será preciso fazer algumas subdivisões. Primeiro, para entender o que seja um concerto, temos de saber quais são as partes contratantes; a seguir, quais as estipulações ou condições do contrato; e por último, qual o seu conteúdo. E se desejamos aprofundar ainda mais sobre o tema, teremos de compreender algo sobre os motivos que moveram as partes contratantes para estabelecer um pacto entre si.


1. Observemos, pois, inicialmente, as ilustres partes contratantes entre as quais se fez este concerto da graça. Foi firmado antes da fundação do mundo entre Deus o Pai e Deus o Filho; ou, expressando-o numa linguagem ainda mais bíblica, foi feito entre as três pessoas divinas da adorável Trindade. Este pacto não foi diretamente entre Deus e o homem; o homem nesse tempo não existia; Cristo aparece neste concerto como representante do homem. E é neste sentido que pode declarar-se ter sido uma aliança entre Deus e o homem, mas nunca como um pacto entre Deus e qualquer homem pessoal ou individual. Foi uma aliança entre Deus e Cristo; e através de Cristo, de maneira indireta, com toda a linhagem humana que foi comprada pelo Seu sangue. Cristo amou a esta linhagem desde antes da fundação do mundo. É um pensamento nobre e glorioso - o mesmo lirismo da doutrina calvinista, a qual nós ensinamos -que antes que a estrela matutina conhecesse seu lugar, antes que do nada Deus criasse o universo, antes que a asa do anjo agitasse os virgens espaços etéreos, e antes que um solitário cântico perturbasse o silêncio no qual Deus reinava supremamente, Ele já havia entrado em conselho conSigo mesmo, com Seu Filho e com Seu Espírito, e havia determinado, proposto e predestinado a salvação de Seu povo. Além disso, havia disposto neste concerto a maneira e os meios e todas as coisas que deviam operar conjuntamente para levar a efeito o propósito e o decreto. Minha alma se transporta até ao passado, com as asas da imaginação e da fé, e contempla no profundo dos mistérios daquele conselho eterno, e através dos olhos da fé contempla o Pai comprometendo-Se com o Filho e o Filho comprometendo-Se com o Pai, enquanto o Espírito Se compromete com ambos, e desta maneira, aquele convênio divino, que por muito tempo estaria escondido na obscuridade, foi completado e ultimado. Esta era a aliança que nos últimos tempos tem sido lida à luz do céu e que veio a ser o gozo e a esperança e a glória de todos os santos.


2. Quais foram as estipulações deste concerto? Poderiam apresentar-se da seguinte maneira. Deus já havia previsto que o homem, depois da criação, romperia o pacto das obras, que apesar das delícias do paraíso, o homem julgaria estas condições demasiadamente severas e chegaria a rebelar-se, contribuindo para a sua própria ruína.


Deus também havia previsto que Seus eleitos, a quem havia escolhido do resto da humanidade, cairiam pelo pecado de Adão, já que eles, tanto quanto os outros mortais, estavam representados no primeiro homem. Por conseguinte o concerto devia ter como meta a restauração do povo escolhido. Agora facilmente poderemos entender as condições do concerto.


Por parte do Pai assim se expressaria a aliança (e devo confessar que não posso expressá-la na gloriosa linguagem celestial; infelizmente me vejo obrigado a fazê-lo na que é própria do mortal): "Eu, Jeová, o Altíssimo, dou ao Meu unigênito e amado Filho, um povo que será mais numeroso que as estrelas. Este povo será por Ele lavado do pecado, pre-servado, guardado e guiado, e por último será apresentado por Ele diante do Meu trono, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante. Eu solenemente Me comprometo, e juro por Mim mesmo, pois não posso jurar por ninguém superior, que estes, que agora dou a Cristo, serão para sempre objetos do Meu amor eterno. A eles perdoarei pelos méritos do Seu sangue; lhes darei uma justiça perfeita; os adotarei, tornando-os Meus filhos e Minhas filhas, e através de Cristo reinarão eternamente coMigo".


O Espírito Santo, outro dos ilustres contratantes do concerto, faria semelhante declaração: "Pela presente Me comprometo a vivificar, no seu devido tempo, a todos aqueles que o Pai tem dado ao Filho. Mostrar-lhes-ei a necessidade que têm de redenção; removerei deles toda a esperança vã e destruirei seus refúgios de mentiras. Eu os levarei ao sangue derramado e lhes concederei fé para que este sangue lhes seja aplicado. Operarei neles todas as graças; manterei a sua fé viva; os purificarei e apartarei deles toda a depravação, para que possam ser apresentados sem mancha e sem mácula". Esta é uma das partes do pacto que até hoje tem sido cumprida e rigorosamente observada.


Em referência à outra parte do concerto, assumida e prometida por Cristo, poderia ser expressa assim: "Meu Pai, de Minha parte comprometo-Me que na plenitude dos tempos assumirei a natureza humana. Tomarei sobre Mim a forma e a natureza da raça decaída. Viverei no seu miserável mundo e cumprirei perfeitamente a lei para Meu povo. Conseguirei uma justiça irrepreensível que será aceita pelas demandas da Tua justa e santa Lei. A seu devido tempo tomarei sobre Mim os pecados do Meu povo. Tu reivindicarás de Mim suas culpas; sofrerei o castigo de sua paz, e pelas Minhas chagas serão curados. Meu Pai, faço pacto e promessa de obediência até à morte, e morte de cruz. Engrandecerei Tua Lei e a farei digna de toda a honra. Sofrerei por tudo que deveriam sofrer. Padecerei a maldição da Lei e toda a Tua ira se descarregará sobre Mim. Depois ressuscitarei; subirei aos céus e, sentado à Tua destra, farei intercessão por eles, a fim de que nenhum dos que Me deste jamais seja perdido. No último dia trarei todo o rebanho do que Tu, pelo Meu sangue, Me constituiste o Pastor".


Desta maneira, mais ou menos, se expressariam os contratantes divinos do concerto. Creio que agora já podemos ter uma idéia bastante clara de como se formou a aliança, e de que maneira ainda perdura. Apresentei, tão resumidamente quanto possível, as suas condições. Desejaria que observassem de modo especial que uma parte do pacto se cumpriu com toda a exatidão: Deus o Filho já pagou pelas dívidas de todos os Seus eleitos. Por nós e por nossa redenção sofreu toda a ira divina. No que se refere a Cristo nada resta a cumprir-se, a não ser que Ele continue intercedendo pelos remidos até conduzi-los jubilosamente à glória.


No que concerne ao Pai, Sua parte no pacto se tem cumprido para com incontáveis multidões. Deus o Pai e Deus o Espírito Santo não têm retrocedido no cumprimento dos Seus respectivos contratos divinos. Serão levados a bom termo tão completa e perfeitamente como o de Cristo. Quanto ao que havia prometido realizar, Cristo pode agora afirmar: "Está consumado"; porém o mesmo poderão dizer as outras gloriosas partes contratantes do pacto. Todos aqueles pelos quais Cristo morreu receberão a justificação, o perdão e a adoção. O Espírito Santo os vivificará a todos, lhes outorgará fé e os levará à glória; de modo que cada um deles, sem estorvo nem impedimento, será aceito no Amado naquele dia quando serão contados os redimidos, e Jesus Cristo será glorificado.


3. E agora, havendo visto quais eram as ilustres partes contratantes   do   concerto   e   os   seus   termos   e   condições, consideraremos quais foram os seus objetivos. Fez-se esta aliança para cada homem da raça adâmica? Certamente que não; com os nossos próprios olhos podemos ver que não foi feita para todo homem. Contemplo as grandes multidões que perecem e que expressamente continuam em seus caminhos de perdição; vejo-as, dia a dia, rejeitando a oferta que por meio do evangelho se lhes faz de Cristo e as vejo pisando sob os pés o sangue do Filho do homem. Observo-as desafiando o Espírito Santo que trata de operar em seus corações; vejo estas multidões que vão de mal a pior, até que finalmente perecem em seus pecados. Portanto, não tenho a loucura de crer que tais pessoas tenham alguma parte na aliança da graça. Os que morrem impenitentes, os que desprezam ao Salvador, claramente provam que não têm porção nem parte no sagrado pacto da graça divina, pois não sendo assim haveria nelas certas notas e evidências que nos demonstrariam o contrário. Se estivessem incluídas no pacto, veríamos que em determinado tempo de suas vidas tais pessoas passariam por uma experiência de arrependimento e chegariam a ser salvas. O concerto - vamos diretamente ao assunto, não importa quão ofensiva seja a doutrina - o concerto só se relaciona com os eleitos e com ninguém mais. Você se ofende com isso? Pois ofenda-se ainda mais. Que disse Cristo? "Rogo por eles; não rogo pelo mundo, senão pelos que me deste, porque são teus". Se Cristo orou pelos Seus escolhidos e por ninguém mais, por que alguns se enchem de ira quando a Palavra de Deus os ensina que a provisão do concerto é somente para os eleitos, e para que eles recebam a vida eterna? Todos quantos crerão, todos quantos confiarão em Cristo, todos quantos perseverarão até ao fim, todos quantos encontrarão o descanso eterno, e só esses e ninguém mais, são os que estão incluídos no pacto da graça divina.


4.  Além disso temos de falar a respeito dos motivos do concerto.  E a primeira pergunta que vem aos nossos lábios é: por que foi feito o concerto? Deus não estava sob compulsão ou obrigação de nenhum tipo. Quando se estabeleceu o concerto não existia ainda a criatura para poder de alguma forma influenciar o Criador. O motivo pelo qual se fez o concerto, não o podemos encontrar em nenhuma outra parte a não ser em Deus mesmo, pois naquele instante se podia dizer literalmente a respeito de Deus: "Eu sou e não há ninguém além de mim". Por que, pois, estabeleceu o concerto? A esta pergunta, respondo: Ele o fez motivado por Sua absoluta soberania. Mas por que certos homens foram os objetos do mesmo e outros não? Respondo: a graça soberana guiou a pena que escreveu seus nomes. Não foi por méritos humanos, nem porque Deus havia previsto algo em nós que O motivou a escolher uns e deixar outros a continuarem em seus pecados. Nada havia neles; foi, sim, a graça e a soberania que juntas produziram a eleição divina. Se vocês, irmãos e irmãs, têm a sã esperança de pertencer ao pacto da graça, com razão podem entoar aquele cântico:


"Que havia em mim que merecesse estima
ou desse ao meu Criador agrado ?
Aconteceu assim, ó Pai, preciso cantar porque
assim agradou aos Teus olhos".


"Ele terá misericórdia de quem tiver misericórdia", pois "não é do que quer, nem do que corre, senão de Deus que tem misericórdia". Sua soberania elegeu; Sua graça distinguiu; e Sua imutabilidade decretou. Fora do motivo do Seu amor e da Sua soberania divina, não houve outra razão que determinasse a eleição dos indivíduos. Sem a menor dúvida, a grandiosa intenção de Deus, ao fazer o concerto eterno, não foi outra senão a da Sua própria glória. Qualquer outro motivo inferior a esse não corresponderia à Sua dignidade.   Deus tem que encontrar Seus motivos em Si mesmo; para Seus propósitos, Ele não tem que consultar a traças ou a vermes. ELE é o grande "EU SOU" .


"Não Se senta em trono instável,
nem tem de pedir permissão para ser."


Ele faz o que quer com os exércitos celestes. Quem pode resistir Sua mão e perguntar: "Que fazes?" Perguntará o barro ao oleiro o motivo pelo qual ele o transformou em vaso? Poderá a coisa antes de ser criada ditar ao Criador? Não, deixem que Deus seja Deus e que o homem se retraia para seu nada natural, e se Deus Se compraz em exaltá-lo, que não se orgulhe pensando que Ele encontrou nele algum motivo. Ele encontra os Seus motivos em Si mesmo. Deus é auto-suficiente; Ele não depende de nada fora de Si mesmo. Que o Espírito Santo nos guie nesta sublime verdade que expus no meu primeiro ponto sobre o concerto eterno.


II. Mas agora, prosseguindo, devemos notar O CARÁTER ETERNO DO CONCERTO. Em nosso versículo ele é chamado eterno. E com esta designação podemos dar-nos conta imediata da sua antigüidade. De todas as coisas, o pacto da graça é a mais antiga. As vezes é motivo de grande gozo para mim pensar que o pacto da graça é mais antigo que o pacto das obras. Este último teve um princípio, enquanto o da graça não teve princípio; e bendito seja o Senhor que o pacto das obras teve o seu fim, enquanto o da graça permanecerá firme mesmo depois que céus e terra tenham passado. A antigüidade do pacto da graça requer uma reconhecida atenção de nossa parte. A verdade do mesmo eleva a mente. Não posso pensar em nenhuma outra doutrina mais sublime que esta. Ela se constitui a verdadeira alma e essência de toda a poesia, e ao recolher-me para meditar sobre ela, devo confessar que às vezes meu espírito tem sido arrebatado em puro deleite. Pode conceber que antes de todas as coisas Deus já havia pensado em você? De que antes que houvesse as montanhas, Ele já havia pensado em você, pobre e insignificante verme? Antes que as esplêndidas constelações começassem a brilhar, antes de que o centro do universo se houvesse fixado, e planetas colossais e mundos diversos iniciassem a girar, Deus já havia determinado o centro do Seu pacto e ordenado o número daquelas estrelas, subordinadas ao pacto, a que girassem em torno daquele bendito centro e dele recebesse a luz. Certamente, quando alguém pensa neste universo sem limites e voa (com os astrônomos) por estas regiões sem fim, habitadas por incontável número de estrelas, acaso não pareceria realmente maravilhoso que Deus tenha dado preferência ao pobre e insignificante mortal antes que a todo o universo? Isto não nos pode tornar orgulhosos, pois se trata de uma verdade divina, mas deve encher-nos de gozo. Ó crente, você se considera como o próprio nada, porém Deus tem outro conceito a seu respeito. Os homens o depreciam, todavia antes de criar qualquer coisa Deus Se lembrou de você. O pacto de amor que realizou em seu benefício com Seu Filho é mais antigo que a época mais remota; e se você retrocedesse até antes que se iniciasse o tempo e anterior às rochas que agora levam o selo da antigüidade começassem a sedimentar-se, Ele já o amava, Ele já o havia escolhido e feito um pacto visando ao seu bem. Lembre-se bem destas coisas antigas dos cumes eternos.


Ainda mais: é um concerto eterno em face da sua firmeza. Nada pode ser eterno se não permanece. O homem pode erigir suas estruturas e julgar que permanecerão para sempre, entretanto a torre de Babel foi destruída e as próprias pirâmides egípcias revelam sinais de ruína. Nada que o homem faz é eterno, nem possui garantia contra a destruição. Mas com respeito ao pacto da graça, com razão Davi afirmou: "É firme e em todas as coisas tem sido ordenado." Foi 


"Firmado, selado e ratificado,
e em tudo bem ordenado ".


Desde o princípio até o final não há nem um "se" nem um "mas". Os que crêem no livre-arbítrio do homem, detestam o futuro enfático ou "farei" do Senhor, e preferem em seu lugar os "se" e os "mas" no pacto da graça; porém não há um "se" nem um "mas" nele. "Eu farei", diz o Senhor, e em conseqüência os eleitos farão. Jeová o promete e o Filho o cumpre. As promessas do pacto são firmes e verdadeiras. O EU SOU lhes dá um caráter determinante e inquebrantável. "Havendo-o dito, não o fará? Ou havendo-o prometido, não o cumprirá?" É um pacto firme. Certas vezes tenho dito que se um homem, estando para construir uma ponte ou uma casa, me deixasse colocar uma pedra ou um ladrilho lá onde quisesse, garanto-lhes que sua casa viria a cair. Se o construtor de uma ponte me permitisse colocar apenas uma pedra, eu escolheria a pedra principal, e sobre ela ele poderia edificar quanto quisesse, mas lhes asseguro que logo desabaria. Ora, o pacto defendido pelos arminianos não pode manter-se de pé, porque alguns dos seus ladrilhos os faz depender da vontade humana (e deste modo o ponho da maneira mais suave, já que bem poderia ter dito: "porque todos os seus ladrilhos os subordina à vontade humana"- e isso estaria mais próximo do alvo!). De acordo com os arminianos, a salvação depende, em última instância, da vontade da criatura. Se esta não quer, não há influência nem poder que consiga modificar essa vontade. Conforme os ensinos arminianos não há promessa alguma que possa modificar a vontade humana. De maneira que a questão depende do homem; e Deus - o poderoso Construtor - mesmo que ponha pedra sobre pedra e o faça sólido como o universo, em última instância pode ser derrotado pela criatura.   Fora com tal blasfêmia!   Toda a estrutura, desde o início até o fim, está nas mãos de Deus. Os termos e condições do pacto se tornaram os selos e garantia do mesmo, visto que o Senhor Jesus os cumpriu. E tudo será cumprido em todos os seus detalhes, quer o homem queira, quer não. Não é um pacto da criatura, e sim um pacto do Criador. Não é o pacto do homem, é um pacto do Todo-poderoso, e Ele o realizará e o levará a termo, apesar da vontade humana. Nisto consiste a glória da graça, em que o homem rejeita a salvação e é inimigo de Deus, e apesar de tudo Deus o redime. No pacto Deus diz: "Será salvo", enquanto o homem resiste: "Não serei salvo"; mas o "será" de Deus conquista o "não serei"do homem. A graça todo-poderosa cavalga vitoriosamente sobre o livre-arbítrio, e o leva cativo, em glorioso cativeiro, o poder do amor e da graça irresistível que tudo conquista. É um pacto firme e portanto merece o título de eterno.


Igualmente, não apenas é firme, também é imutável. Se não fosse imutável não poderia ser eterno. Tudo que muda é perecível. Podemos estar seguros de que qualquer coisa que possa incluir a palavra "mudança", tarde ou cedo morrerá e será considerado como algo inútil. Contudo, no pacto todas as coisas são imutáveis. Tudo que Deus determinou há de acontecer, e nenhuma palavra, nenhuma linha ou nenhuma frase podem ser alteradas. O que o Espírito prometeu se realizará, e o que Deus, o Filho, Se comprometeu a fazer já se cumpriu e se consumará no dia da Sua volta. Se pudéssemos crer que as sagradas linhas pudessem chegar a apagar-se, que o pacto pudesse ser anulado, borrado ou manchado - aí então seria desesperadora a nossa situação. Tenho ouvido alguns pregadores dizerem que quando o cristão vive santamente, ele permanece no concerto, mas quando peca é desligado dele. Ao arrepender-se, novamente se põe no pacto, porém se volta a cair, outra vez seu nome é riscado; e assim entra e sai da porta do concerto da mesma maneira que entra e sai de casa.  Entra por uma porta e sai por outra. Nalgumas ocasiões é filho de Deus; noutras é filho do diabo; às vezes é herdeiro do céu, e noutras é herdeiro do inferno. Conheço um homem que chegou ao extremo de afirmar que embora uma pessoa tenha perseverado sessenta anos na graça, se no último ano da sua vida cair em pecado e morrer, tal pessoa seria condenada eternamente e toda a fé e todo o amor demonstrados nos anos anteriores seriam em vão. Apresso-me em dizer que essa noção que tais pessoas têm de Deus é nada menos que a noção que possuo a respeito do diabo. Não poderia crer em tal Deus nem prostrar-me diante dEle. Um Deus que ama hoje e amanhã odeia; um Deus que faz uma promessa e de antemão sabe que esta promessa não se cumprirá no homem; um Deus que perdoa e castiga, que justifica e mais tarde condena, é um Deus que não posso suportar. Não é o Deus das Escrituras, disso estou certo, porque Ele é imutável, justo, santo e verdadeiro. E um Deus que "havendo amado aos seus, os amará até o fim". Um Deus que cumprirá e guardará as promessas que tem dado aos Seus filhos, de modo que qualquer alma que foi objeto de Sua graça, continuará para sempre nessa graça, até que um dia, sem falta, entrará na glória.


E para concluir este ponto, devo acrescentar que o concerto é eterno porque nunca terminará. Cumprir-se-á, mas permanecerá firme. Quando Cristo tiver completado tudo e conduzido cada crente ao céu; quando o Pai tiver reunido a todo o Seu povo, então verdadeiramente o pacto terá chegado a uma consumação, porém não a uma conclusão, porque nele está determinado que os herdeiros da graça para sempre serão bem--aventurados, e enquanto durar este "para sempre", o pacto demandará a felicidade, a segurança e a glorificação de toda alma que foi o objeto do mesmo.


III. Havendo, pois, estudado o caráter eterno do concerto, concluirei fazendo referência ao seu aspecto mais doce e precioso, a relação que existe entre o sangue e o pacto: O SANGUE DO CONCERTO ETERNO. O sangue de Cristo mantém quatro relações distintas com o pacto. Com respeito a Cristo, Seu sangue precioso derramado no Getsêmane e no Gólgota significa o cumprimento do pacto. Por Seu sangue o pecado foi apagado; com Sua agonia, a justiça foi satisfeita; com Sua morte a lei foi honrada. Foi precisamente com Seu sangue precioso, com toda a sua eficácia mediadora e com todo o seu poder purificador, que Cristo cumpriu tudo quanto havia Se comprometido efetuar a favor do Seu povo. Ó crente, contemple o sangue de Cristo e recorde que essa foi a parte da aliança que Ele realizou! Nada falta para ser cumprido; Jesus o realizou totalmente; nada existe que o livre-arbítrio possa contribuir; Cristo já cumpriu todas as demandas de Deus. As contas da parte devedora do pacto foram saldadas graças ao sangue de Cristo, e agora Deus está comprometido, por Sua própria e solene promessa, a mostrar graça e misericórida a todos aqueles que Cristo redimiu com o Seu sangue.


Noutro aspecto, o sangue significa, para Deus o Pai, o compromisso do concerto. Quando vejo Cristo morrendo na cruz, vejo Deus - cujo essência é verdadeira liberdade - comprometido desde então, por Sua própria promessa, a levar a termo tudo o que fora estipulado. Porventura não nos promete o pacto um novo coração e um espírito reto dentro de nós? Pois deve cumprir-se, porquanto Jesus morreu, e Sua morte veio a ser como o selo do pacto. Acaso não diz também: "Derramarei água pura sobre eles e serão limpos; de todas as suas iniqüidades os purificarei"? Então igualmente isto deve cumprir-se, pois Cristo levou à perfeita consumação Sua parte no conceito. Portanto agora não podemos falar do pacto como algo duvidoso, visto que, graças a Cristo, tornou-se nosso próprio direito diante de Deus. E ao achegar-nos humildemente sobre os nossos joelhos reivindicando o pacto, nosso Pai celestial não nos negará as promessas contidas nele, porém de cada uma delas fará um "sim" e um "amém" através do sangue de Jesus Cristo.


A terceira relação que o sangue de Cristo mantém com o pacto nos aponta como seu objeto. Não é só referente a Cristo o cumprimento do concerto e com respeito ao Pai um compromisso solene, o mesmo constitui, também, uma evidência com relação a nós. E sobre este particular, amados no Senhor, permitam-me extravasar o meu afeto para com todos, pois o tema me faz arder o coração por cada um. Vocês confiam completamente no sangue de Cristo? O sangue - o precioso sangue de Cristo - purificou suas consciências? Vocês experimentaram o perdão dos seus pecados mediante o sangue de Jesus? Gloriam-se em Seu sacrifício e é Sua cruz seu único refúgio e sua única esperança? Se é assim, então estão no pacto. Algumas pessoas querem saber se foram eleitas. Mas não podemos dar-lhes segurança, a menos que nos respondam a estas perguntas: "Crêem? Está sua fé fundamentada no sangue precioso?" Se assim é, estão no pacto. E se você, pobre pecador, não tem nada em que confiar e se mantém distante, dizendo: "Não me atrevo a vir; tenho medo; não estou no pacto", ainda Cristo o convida a chegar-se: "Venha a Mim", Ele apela. Se não pode vir ao Pai do pacto, aproxime-se do seu Fiador. "Venha a Mim e achará descanso." Uma vez vindo a Ele e recebido o Seu sangue, então jamais duvide que o seu nome esteja no livro carmezim da eleição. Pode agora ler seu nome nos caracteres do sangue de Cristo? Então um dia o lera nas letras douradas da eleição do Pai. Aquele que crê é um eleito. O sangue é o símbolo, o sinal, a garantia, a segurança e o selo do concerto da graça para você. Ele pode ser considerado um telescópio através do qual cada um consegue ver as distâncias espirituais. Com seu olho natural ninguém pode ver sua eleição, mas através do sangue de Cristo pode enxergá-la com nítida clareza. Ponha sua confiança no sangue, pobre pecador, e chegará a descobrir que o sangue do pacto eterno constitui uma prova de que você é um herdeiro do céu.


Finalmente, devemos dizer que o sangue constitui a glória das três relações já mencionadas. O sangue para o Filho significa o cumprimento, para o Pai significa uma promessa solene, e para o pecador é uma evidência; todavia para os três, Pai, Filho e pecador, o sangue vem a ser a glória comum e a unfania suprema. Nele o Pai tem contentamento; o Filho, com gozo, contempla o que foi adquirido com agonias; e nele o pecador deve sempre encontrar seu consolo e seu cântico eterno - "Jesus, Teu sangue e Tua justiça para sempre constituirão minha glória e minha canção".


E agora, amados ouvintes, para encerrar, tenho uma pergunta a dirigir-lhes: teriam vocês a esperança de estar no pacto? Teriam posto sua confiança no sangue? Em vista do que tenho apresentado nesta manhã, talvez alguns cheguem a pensar que o horizonte do evangelho é muito restrito; devem notar que o evangelho é anunciado a todos sem restrição de espécie alguma. O decreto da eleição é limitado, porém as boas novas abrangem o mundo todo. A ordem que recebi de Deus é a de proclamar as boas novas a toda criatura debaixo do céu. A aplicação eficaz do evangelho está restringida aos eleitos de Deus, e conseqüentemente pertence à vontade secreta de Deus, porém não é assim com a mensagem; esta deve ser anunciada a todas as nações. Vocês têm ouvido o evangelho em muitas ocasiões da sua vida e conhecem o seu tema central: "Esta é uma palavra fiel e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores..." Crêem nisso? Que o Espírito Santo faça que esta seja, mais ou menos, sua confissão: "Sou um pecador e confio em que Cristo morreu por mim; ponho minha confiança nos méritos do Seu sangue e, haja o que houver, minha atitude perante Deus será esta:


"Nada em minhas mãos conduzo,
só me apego à Tua cruz".


Quem ouvir a mensagem da salvação e a receber em seu coração evidencia ser um dos que estão no concerto. Por que, então, o espanta a doutrina da eleição? Se alguém escolheu a Cristo, tenha por certo que Ele antes o escolheu. Se com os olhos cheios de lágrimas dirige seu olhar a Cristo, então saiba que Ele, muito antes, já havia contemplado você. Se do seu coração brotar amor por Cristo, não esqueça que o Seu coração o ama com um amor que jamais o poderá igualar. Se você agora está clamando: "Senhor, Tu serás o guia da minha juventude", eu lhe contarei um segredo: Ele tem sido o seu guia, levando-o a que você agora seja um pecador ansioso em buscá-l0 e Ele o dirigirá e o conduzirá às mansões seguras da glória. Talvez você seja um orgulhoso e altivo arminiano, que diga: "Quando eu quiser me arrependerei e crerei. Tenho tanto direito como qualquer outro de ser salvo, pois, afinal de contas, cumpro com minhas obrigações tão bem como os demais, e sem dúvida receberei a minha recompensa". Pois bem, se você é um daqueles que reclamam uma reconcilição universal, e crê que se pode receber a salvação por própria opção da vontade humana, então reclame-a, e você será desapontado em sua reclamação! Você descobrirá que Deus não terá relacionamento algum com quem assumir tal posição, mas dirá: "Aparte-se de Mim, porque não o conheci. O que não vem a Mim através do Filho, não posso de modo algum aceitá-lo". Creio que o homem que não está disposto a submeter-se ao amor eletivo e à graça soberana de Deus, tem firme razão para duvidar se em verdade é cristão, porque o espírito que se rebela contra isso é o espírito do diabo, o espírito daquele que não foi humilhado nem regenerado. Que o Senhor faça desaparecer a inimizade do seu coração às Suas sublimes    verdades,    para    que    possam    aceitá-las    e    ser reconciliados com Ele pelo sangue do Seu Filho, cujo sangue é o vínculo e o selo do concerto eterno.